No último sábado, a Exame online veiculou um artigo da repórter Camila Almeida, intitulado Israel só para os judeus é o modelo Netanyahu, que, omitindo uma série de informações cruciais para o entendimento das relações entre o país e os diferentes povos que chegam ali, pintou Israel como um país racista e opressor de refugiados africanos, palestinos e sírios.
Mas o que é que a autora não conta ao leitor?
É fácil falar que Israel está “endurecendo ainda mais suas fronteiras”, por dificultar a estadia de imigrantes ilegais no país, mas por que não contar o que o contínuo reforço da segurança das fronteiras tem ajudado a evitar? Por exemplo:
- Durante a chamada “Segunda Intifada”, terroristas palestinos mataram uma média de 200 israelenses por ano e feriram milhares em ataques terroristas suicidas. No entanto, quando Israel construiu a barreira de segurança na sua parte da fronteira com a Cisjordânia, as mortes e lesões israelenses diminuíram em aproximadamente 90%.
- Constantemente, o Exército de Israel (IDF) encontra armas brancas, artigos usados para atividade militar ou materiais usados na confecção de explosivos e foguetes tentando ser contrabandeados para a Faixa de Gaza no que deveriam ser carregamentos de ajuda humanitária, na fronteira de Israel com o território palestino.
Sobre a aplicação da pena de morte para terroristas, o parlamento não aprovou uma lei, mas um projeto que ainda precisará passar por um grande processo e enfrentar muita oposição dentro do próprio parlamento para virar lei. O projeto tampouco cita religião ou etnia, ou seja, também seria aplicado a judeus e qualquer um que cometesse atos terroristas, mas parece óbvio dizer que a medida afetaria palestinos presos, afinal a maioria deles está na prisão justamente por ter cometido ataques terroristas.
“Mão-de-ferro contra populações não-judias”? O que a autora diz aqui é algo gravíssimo, apesar de a matéria ser sobre refugiados africanos, ela generaliza qualquer um que não seja judeu em Israel e os coloca como oprimidos pelo país, “ainda mais” depois da decisão de Trump (?!)
Onde estão os 60 mil imigrantes africanos (sudaneses, eritreus, somalis, etc.) vivendo no país ou legalmente ou temporariamente com visto de trabalho? Ou sem visto de trabalho, mas recebendo comida, abrigo, cuidados médicos e sociais?
Por que generalizar se a população árabe-israelense (incluindo beduínos, cristãos) usufrui de plenos direitos civis?
Por que generalizar se pesquisas mostram que a maioria da população árabe prefere viver sob governo israelense e não palestino?
Por que não citar que Israel recebe milhares de sírios vítimas da guerra civil para tratamento em seus hospitais? Além, é claro, de milhares de palestinos doentes da Faixa de Gaza e da Cisjordânia (enquanto judeus não são recebidos para tratamento nem em hospitais palestinos, nem em países árabes) .
Citar a decisão de Trump como um divisor para o começo de um período turbulento em Israel, falando apenas de restrições impostas pelo governo israelense sem citar todos os tumultos palestinos e os quase 20 foguetes lançados aleatoriamente da Faixa de Gaza contra Israel é no mínimo anti-ético.
“Pesquisador judeu americano”, ok… E também completamente contrário à existência de Israel e apoiador do BDS (movimento que visa extinguir o Estado judeu), que chama o governo israelense de regime “siofascista” (ou seja, que coloca sionismo e fascismo juntos). A autora não tinha uma fonte mais imparcial para citar do que Stephen Lendman? Ou pelo menos não poderia ter citado também uma segunda opinião para equilibrar o cenário?
Na verdade, a esmagadora maioria dos imigrantes africanos não é de refugiados de guerra, mas sim pessoas que entraram ilegalmente à procura de oportunidades econômicas, e por isso não recebem status de refugiados. Não cabe a nós, nem à mídia, dizer se estes africanos deveriam ser absorvidos ou não, mas é preciso esclarecer os contextos.
Em Israel, mesmo os bairros “mais distantes” estão localizados em cidades grandes e desenvolvidas, e, portanto, não há “mal-existência” de serviços de saúde e educação. A maioria dos imigrantes africanos está localizada no sul de Tel Aviv (à 5-10min de ônibus do centro de Tel Aviv) e em Eilat, cidade lotada de hotéis milionários, onde a grande maioria dos africanos trabalha.
Aqui a autora faz uma mistura de declarações mal-embasadas que colocam Israel e a população israelense como discriminatórias. É preciso explicar duas questões fundamentais para o leitor:
- Israel é um Estado judeu: A base da criação do Estado de Israel foi a garantia do caráter judaico do país para prover um lar nacional ao povo judeu. Através de políticas voltadas para isso, como a Lei do Retorno – concessão do direito de imigração e cidadania a qualquer judeu do mundo ou a quem tenha pelo menos um avô judeu na família – Israel vem lutando desde 1948 para existir como o ÚNICO Estado judeu no mundo ao lado de dezenas de países islâmicos e católicos.
- Israel é uma democracia: Apesar de ser um Estado judeu, Israel é uma democracia (e a única no Oriente Médio), isso significa que seus cidadãos não-judeus têm os mesmos direitos civis que seus cidadãos judeus.
A autora não explica a que políticas que protegem os judeus ela se refere, e a pesquisa citada tampouco explica a que “tratamento preferencial para judeus”, este percentual de israelenses se refere. Sendo um Estado judaico, Israel tem sim políticas que priorizam a conservação da natureza judaica do país e que, consequentemente, “protegem” os judeus, por exemplo: os feriados nacionais em datas de festas judaicas, o não-funcionamento de transportes públicos no shabat (o que aliás não agrada boa parte da população judaica não-religiosa), o ensino do hebraico, etc. Mas sendo também uma democracia, as leis garantem direitos iguais a todos os seus cidadãos como dito antes. Por exemplo, árabe é língua oficial junto com o hebraico, e também é ensinado nas escolas, além da história do Islã, etc. Se o país não apoiasse essa igualdade, estas políticas não teriam virado lei.
Quanto ao dilema “imigração de diferentes povos X imigração judaica”, é preciso atentar para a história: Por causa da Lei do Retorno, 586 mil refugiados judeus de países árabes foram reassentados em Israel entre 1948 e 1972, após serem expulsos ou fugirem devido a perseguições, pogroms, leis que criminalizavam o sionismo, congelamento de suas contas bancárias, bombardeios, etc. A maioria dos refugiados judeus deixou suas casas sem nada mais além da roupa no corpo e até hoje não receberam quaisquer compensações dos governos árabes. Estes judeus vieram de países como Argélia, Egito, Iraque, Líbia, Marrocos, Síria e Iémen. Além disso, desde a Operação Moisés, em 1985, Israel resgatou e recebeu mais de 68 mil judeus etíopes e sudaneses. Ou seja, Israel está sendo criticado por não absorver imigrantes, quando na verdade o país o fez desde a sua criação. Mas a realidade de Israel é a preservação do caráter judaico em um território menor que o estado brasileiro do Sergipe. Como já falamos anteriormente: Não cabe a nós, nem à mídia, dizer se os imigrantes africanos deveriam ser absorvidos ou não, mas é preciso entender os contextos e diferentes questões em jogo para o país.
Não entramos no mérito se Netanyahu é um bom ou mau político, mas nosso papel é não deixar que informações erradas e/ou tendenciosas relativas a Israel sejam passadas aos leitores.
Netanyahu não é um general, ele é um político e economista. Em um governo de coalizão, raramente um partido receberá perto de 50% dos votos, pela quantidade de opções existentes. O Likud não ganhou somente 30% dos votos, mas 30% dentre 10 partidos diferentes, ou seja, comparando cada partido isoladamente com todos os outros, o Likud ganhou a grande maioria dos votos.
As pesquisas não mostram que seu governo é aprovado por 35% da população, como a autora fala, mas que Netanyahu como líder é aprovado por 35% da população. Governo (coalizão) e líder são duas coisas completamente diferentes. E segundo a mesma pesquisa que a autora tenta usar como referência, os 35% de Netanyahu o colocam como o líder mais eficiente para servir como primeiro-ministro, seguido de Yair Lapid com 14% e Isaac Herzog, líder da oposição, com 5% de aprovação da população. Ou seja, Netanyahu é o líder mais popular comparado às outras opções de líderes.
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A lição que tiramos deste artigo é a capacidade de uma jornalista de misturar vários assuntos diferentes e sem conexão, ao mesmo tempo em que omite contextos fundamentais para o entendimento da meia-informação sendo passada, e no final das contas temos um artigo extremamente tendencioso construído para representar Israel como um país racista e autoritário.
O HonestReporting entrou em contato com a Exame e a jornalista para pedir uma retratação.
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Imagem em destaque: Getty Images / AFP