Ontem, Obama deu sua última entrevista coletiva à imprensa antes de deixar a presidência dos Estados Unidos. Como previsto, uma das perguntas feitas a ele abordava a questão Israel-palestinos, mais especificamente a decisão de não vetar a resolução anti-assentamentos na ONU. A exata resposta de Obama:
O que nós quisemos fazer … foi preservar a possibilidade da solução de dois Estados, porque nós não vemos uma alternativa a ela.
Eu não vejo como essa questão possa ser resolvida de forma que mantenha Israel judaica e democrática, porque se você não tem dois Estados, se de alguma forma você estende a ocupação, funcionalmente você acaba tendo um Estado…
O objetivo da resolução foi dizer que os assentamentos, o crescimento dos assentamentos, estão criando uma realidade no terreno que aumentada impedirá a solução de dois Estados.
Agora vejam os comentários e cobertura nos jornais abaixo:
Guga Chacra para a Globonews:
Ele explicou uma coisa que basicamente todos os analistas falam hoje: que é muito complicado Israel ser ao mesmo tempo judaico, democrático e ter todo o território. Se Netanyahu seguir com sua política atual, na visão do Obama, vai deixar inviável a solução de dois Estados.
Vai caber a Israel decidir se quer ser um Estado judaico em todo o território ou ter todo território democrático. Na visão do Obama a melhor alternativa é a divisão em dois Estados, assim Israel pode naquele território pré-67, ou mais ou menos território pré-67, ser tanto judaico quanto democrático, e os palestinos muçulmanos e cristãos terem o Estado deles na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
Guga Chacra, como jornalista, tem uma dupla responsabilidade. Ele precisa não só citar o que foi dito por terceiros de forma precisa como também contextualizar o que está sendo dito, ao público. E Guga falhou nas duas tarefas.
Dizer que Israel vise “todo o território” é um exagero e muito diferente de dizer que aumentar os assentamentos pode impedir um Estado palestino. Primeiro porque a posição oficial do governo de Israel é a solução de dois Estados, não importa o que uma minoria na extrema-direita diga.
Segundo, os assentamentos judaicos na Cisjordânia – contando com a recente expansão de alguns deles – compõem menos de 2% dos territórios disputados na zona C e Israel não constrói nas zonas palestinas A e B, então, apenas uma grande construção de novos assentamentos poderia talvez no futuro impedir a criação de um Estado palestino por um problema de continuidade territorial, mas jamais porque Israel se apossou de todo o território. Aliás, a que território Guga se refere? Cisjordânia? Faixa de Gaza? Porque Israel nunca pretendeu tomar a Faixa de Gaza de volta, muito menos anexar toda a Cisjordânia e deixar uma Faixa de Gaza palestina abandonada.
Fora isso, as informações adicionais que Guga dá são extremamente mal-explicadas e tendenciosas. “Assim palestinos muçulmanos e cristãos poderiam ter seu Estado na Cisjordânia e na Faixa de Gaza”. Não Guga, talvez palestinos muçulmanos, mas não cristãos. Em Israel, os árabes cristãos têm plenos direitos, mas nos territórios palestinos eles são perseguidos, torturados e forçados a se converterem ao islamismo.
Por último, Guga afirma que de volta aos territórios pré-67, os palestinos poderiam ter seu Estado. O especialista já parou para pensar que se Israel não tivesse tomado estas terras, talvez Egito e Jordânia ainda estariam no controle, e aí não poderia haver mesmo um Estado palestino?
Obama disse que ou Israel reconhece um Estado palestino ou não tem como permanecer um país democrático.
Dizer que os assentamentos podem impedir a criação de um Estado palestino é a posição de Obama, isso não significa que Israel não vá reconhecer um futuro Estado palestino, se o próprio governo israelense defende dois Estados para dois povos. O Jornal Nacional não somente parafraseou Obama como quis, mas também passou uma conclusão falsa e muito, muito grave ao público de que Israel não reconhece um Estado palestino quando na verdade é a Autoridade Palestina que não reconhece Israel como um Estado judeu.
Enquanto nosso papel aqui não é defender ou criticar a posição de um presidente acerca de um conflito, nós temos sim que prezar por uma cobertura jornalística impecável do que foi dito pelo presidente e de como o assunto foi contextualizado para que o público não receba falsas informações que levam a conclusões distorcidas sobre esse conflito.