“É culpa de Israel que os palestinos não podem votar”. Essa é uma acusação que ouvimos frequentemente, especialmente quando Israel entra em época de campanha eleitoral.
Infelizmente, os palestinos são marginalizados.
Mas não por Israel.
Os palestinos são marginalizados pelos seus próprios líderes rivais do Fatah e do Hamas. Egito e a Jordânia também têm responsabilidade nisso. Vamos dar uma olhada na história.
A História Pré-Oslo
A primeira eleição realizada onde seria depois o Estado de Israel, foi organizada pelo Mandato Britânico, em 1923. Judeus e árabes deveriam votar para membros do Conselho Legislativo, mas os árabes boicotaram a votação devido a uma disputa pela distribuição de assentos. As autoridades britânicas acabaram anulando os resultados.
A Grã-Bretanha deixou a Terra Santa em 1948, quando começou a Guerra da Independência de Israel. Ao final do conflito, Israel estava no controle do Negev, da costa do Mediterrâneo, da Galiléia e da metade ocidental de Jerusalém. Os árabes que permaneceram nessas áreas tornaram-se cidadãos israelenses, recebendo pleno direito a voto. O primeiro Knesset incluía três membros de um partido árabe chamado Lista Democrática de Nazaré, e um quarto membro árabe no Partido Comunista de Israel (conhecido por sua sigla em hebraico, Maki).
Os árabes que viviam na Cisjordânia quando a guerra terminou ficaram sob jurisdição da Jordânia, e os que viviam em Gaza, ficaram sob ocupação militar egípcia. Os cerca de 700.000 árabes que fugiram para os países vizinhos – os primeiros refugiados palestinos – ficaram sob a administração da agência de assistência da ONU, a UNRWA. A Síria e o Líbano nunca ofereceram cidadania a nenhum refugiado palestino ou a seus descendentes. O Egito ofereceu cidadania para 50.000 palestinos com mães egípcias, em 2012.
A Jordânia, por outro lado, anexou a Cisjordânia em 1948, um movimento que nunca foi reconhecido internacionalmente. Palestinos que fugiram para a Jordânia durante a guerra obtiveram plena cidadania jordaniana. Depois da guerra, na Cisjordânia, alguns palestinos conseguiram a cidadania jordaniana, mas a maioria não. Na eleição geral de 1950 na Jordânia, os palestinos enviaram 20 “cisjordanianos” para representá-los no novo parlamento, em Amã.
(Palestinos que fugiram para a Jordânia durante a guerra de 1967 não receberam cidadania jordaniana, apenas passaportes especiais que lhes permitiram viajar para o exterior.)
No entanto, nos anos 2000, relatórios revelaram que Amã estava revogando a cidadania jordaniana de milhares de palestinos – incluindo a de Mahmoud Abbas. As autoridades jordanianas nunca explicaram quantas cidadanias foram revogadas e por quê.
Quanto à Gaza, após a Guerra de Independência, o “Protetorado Toda-Palestina” serviu como o governo da Faixa de Gaza. Ele existia apenas sob a proteção da administração militar egípcia que regia os assuntos do dia-a-dia de Gaza. (O presidente egípcio Gamel Abdel Nasser dissolveu o protetorado em 1959, em nome do “pan-arabismo”).
Talvez, pressentindo as tensões entre a Cisjordânia e Gaza, o Egito não confiava na influência da Jordânia sobre a Cisjordânia; e os jordanianos suspeitavam da dominação do Egito sobre o protetorado.
Em 1967, Israel capturou Gaza e a Cisjordânia, incluindo os bairros orientais de Jerusalém, tornando-se responsável por administrar os assuntos diários dessas áreas.
De acordo com a lei internacional, Israel estabeleceu uma administração militar nessas áreas, ao mesmo tempo em que estendeu a lei israelense ao leste de Jerusalém. (Em 1980, o Knesset consagraria o status unificado da cidade com a Lei de Jerusalém, que declarava a cidade unida como capital de Israel.)
Estendendo a lei israelense aos bairros orientais de Jerusalém, Israel deu o direito de voto aos palestinos que ali viviam. A política israelense disponibiliza a cidadania a esses palestinos, sem ser uma imposição.
Houve também tentativas israelenses frustradas de organizar eleições municipais na Cisjordânia, em 1972 e 1976.
O Voto dos Palestinos: de Oslo até Agora
Assim como os cidadãos israelenses votam nas eleições israelenses, os palestinos votam nas eleições da Autoridade Palestina (AP), que foram criadas no âmbito dos acordos de Oslo de 1993 (ver Anexo I).
O novo exercício palestino da democracia começou em 1996, quando elegeram Yasser Arafat como presidente com 88% dos votos. Os palestinos também deram ao Fatah 55 dos 88 assentos no Conselho Legislativo Palestino (CLP). Os palestinos que moram no leste de Jerusalém também votaram (aqueles com plena cidadania israelense não foram autorizados a votar), além disso, a diáspora palestina e os que vivem em campos de refugiados no exterior também não votaram.
Os palestinos não realizaram outra eleição nacional até janeiro de 2005. Poucos meses após a morte de Arafat, Mahmoud Abbas foi eleito presidente com uma maioria de 62%. Abbas era amplamente visto como o sucessor natural de Arafat e um líder com quem Israel podia fazer negócios.
O CLP foi expandido para 132 assentos; as eleições parlamentares de janeiro de 2006 levaram a resultados chocantes. O Hamas ganhou, ocupando 74 assentos, em comparação a 45 do Fatah. Pela primeira vez, o Fatah enfrentou um desafio real à sua primazia política.
Em junho de 2007, o Hamas tomou violentamente o controle da Faixa de Gaza.
O Fatah reagiu entrando com força na Cisjordânia, e o Conselho Legislativo Palestino parou de se reunir. Mahmoud Abbas, cujo mandato de quatro anos expirou em 2009, simplesmente continuou como presidente da AP e nenhuma eleição nacional foi realizada desde então. Em dezembro de 2018, Abbas anunciou sua intenção de dissolver o parlamento.
A nível local, os palestinos realizaram várias rodadas de votação em municípios para nomear prefeitos e membros dos conselhos municipais, em 2005. No entanto, a votação não foi concluída. A questão foi colocada em suspenso enquanto as discordâncias entre Fatah e Hamas cresciam.
Outra tentativa foi feita com a marcação de eleições locais para julho de 2010. A votação foi adiada por dois anos, pois o Fatah não conseguiu chegar a um acordo sobre sua própria lista de candidatos. As eleições municipais que seriam realizadas em outubro de 2016, foram suspensas por um tribunal da Autoridade Palestina. A votação acabou ocorrendo em maio de 2017, mas por causa das disputas entre Hamas e Fatah, a maioria dos habitantes da Cisjordânia não votou.
Não há fim à vista para esse impasse. Com ambos exercendo poder de veto sobre votações que não lhes trazem vantagem, muitos questionam se o Fatah ou o Hamas realmente querem a unidade nacional.
E a posição do governo israelense? As eleições da AP são um assunto doméstico palestino. Cabe aos palestinos romper o impasse político e escolher seus líderes. Mesmo que as autoridades israelenses tenham preferências por pessoas ou partidos específicos, elas sabem que não devem expressá-las.
Então, assim como os israelenses não participam das eleições da Autoridade Palestina, os palestinos não participam das eleições israelenses. Ninguém pode participar das duas eleições.
A Exceção de Jerusalém
Embora os palestinos não tenham o direito de participar das eleições israelenses, os palestinos do leste de Jerusalém votam nas eleições municipais da cidade e até concorrem ao conselho da cidade. Ou pelo menos eles têm esse direito. Como explicado anteriormente, a política israelense é disponibilizar a cidadania para os palestinos do leste de Jerusalém que a peçam; Isso permite que os palestinos votem e participem das eleições nacionais como israelenses naturalizados. Na prática, a grande maioria não pede a cidadania, embora haja surtos periódicos.
Por lei, somente um cidadão israelense pode ser prefeito, então é teoricamente possível que Jerusalém tenha um prefeito ou um conselho de árabes-israelenses. Com cerca de 300.000 palestinos qualificados para votar nas últimas eleições municipais de 2018 (cerca de 40% da população), há um grande potencial para reformular a política da cidade.
No entanto, os moradores palestinos do leste de Jerusalém têm boicotado historicamente as eleições locais, dizendo que a participação legitima o controle de Israel sobre a cidade. Os boicotes são reforçados por fatwas (decretos religiosos) e intimidação.
Os poucos palestinos que “quebram o protocolo” nunca obtêm apoio suficiente. Uma lista palestina chamada “Jerusalém, minha cidade”, liderada por Ramadan Dabash, conseguiu 3.001 votos em 2018. Mas para receber um dos 30 assentos do conselho da cidade, sua lista precisaria de 8.086 votos.
Ninguém é obrigado a votar, mas depois palestinos reclamam que a prefeitura os discrimina em questões como escolas, coleta de lixo, clínicas de saúde, etc. Essas questões não resultam de discriminação racial, mas de uma simples falta de representação.
O Contexto da “Ocupação”
Às vezes, dizem que a “ocupação” israelense torna impossível que os palestinos tenham eleições realmente livres. Comumente, argumenta-se que os postos de controle dificultam a liberdade de movimento para legisladores, candidatos e ativistas. Muitos legisladores palestinos estão nas prisões israelenses. E Israel restringe a expressão política palestina em Jerusalém. Como os palestinos podem votar nessas circunstâncias?
Embora as legalidades da ocupação estejam além do escopo deste artigo, a “ocupação” israelense é exigida pelo direito internacional. “Poderes de ocupação” são obrigados a supervisionar o território por uma administração militar, não civil. A ocupação é supostamente temporária, até que o status político do território seja resolvido. (Para melhor compreensão do assunto, Daniel Pomerantz do HonestReporting falou sobre isso.)
Após a Guerra dos Seis Dias, Israel ofereceu devolver o território capturado aos árabes para obter o fim das hostilidades. Em agosto de 1967, líderes árabes reuniram-se em Cartum para elaborar uma resposta à abrangente oferta de paz-por-terra, de Israel. A resposta ficou conhecida como Os Três Nãos: Não à paz com Israel, não à negociação com Israel e não ao reconhecimento de Israel. Demoraram anos para esses “nãos” serem suavizados.
O processo que criou o sistema eleitoral palestino também reconheceu a presença das forças de segurança israelenses. Infelizmente, os postos de verificação são necessários para deter terroristas. Infelizmente, os palestinos elegeram legisladores associados a grupos terroristas, e é por isso que muitos estão presos. O “homem-propaganda” desse fenômeno seria o prefeito de Hebron, Tayseer Abu Sneineh, que em 1980 foi condenado por assassinar seis israelenses e depois foi libertado em uma troca de prisioneiros em 1983.
Quanto às restrições à atividade política em Jerusalém, foi isso que os palestinos aceitaram no segundo acordo de Oslo, de 1993 (ver Artigo XVII (1a)).
Ignorada é a diáspora palestina. Os refugiados que vivem nos acampamentos da UNRWA no exterior, enfrentam restrições variadas em empregos, posse de propriedades, bem como o direito de participar nas eleições de seu país anfitrião. Este é um problema de todas as populações de refugiados, mas os palestinos são os únicos que recebem grande atenção quanto ao impasse de seu status, sua definição e apoio pela ONU.
“Ocupação” é uma palavra conveniente para colocar a culpa toda em Israel. Mas a combinação da inimizade, da inércia e da indiferença entre Hamas e Fatah é o que realmente incapacita a sociedade palestina.
Imagem em destaque: vetores por Vecteezy; Knesset CC BY-NC-SA pelo Gabinete de Imprensa do Governo; Hussein e Nasser por Wikimedia Commons; Abbas por President of Russia; Controle de Gaza via YouTube/AP Archive; Abu Sneineh por YouTube/Good Afternoon NET;