O programa Sem Fronteiras da GloboNews veiculou o episódio “Israelenses e palestinos: a paz impossível?“ para falar sobre a situação na região 50 anos depois da Guerra dos Seis Dias. Assistindo ao episódio de pouco mais de 20 minutos, nos deparamos simplesmente com um roteiro desenhado para responsabilizar Israel pela vida triste e “miserável” dos palestinos. Como? Vejamos algumas partes desse roteiro.
O jornalista Silio Boccanera abre a matéria:
(Israel) … tomou terras que estavam sob controle da Jordânia, do Egito, da Síria e dos palestinos, redesenhou fronteiras e agravou tensões.
Tudo começou com a tomada de terras “palestinas” por Israel em 1967. Acontece que nenhuma terra nunca esteve sob controle dos palestinos, somente do Egito e da Jordânia desde 1949 como resultado de um acordo com Israel que fora atacado um ano antes, mas saiu vitorioso. Além disso, Israel é colocado como o país que redesenhou fronteiras à força quando na verdade, ele conquistou terras em um processo defensivo.
E Boccanera continua, falando da comemoração da unificação de Jerusalém:
Como se repete em todo início de junho, nacionalistas israelenses saem em espírito festivo pelas ruas do setor muçulmano de Jerusalém, enquanto residentes palestinos se encolhem dentro de casa em clima sombrio.
O que seria o “setor muçulmano de Jerusalém”? Será que os israelenses vão desfilando por toda Jerusalém Oriental, onde inúmeros bairros são evitados por medo de sofrerem ataques terroristas lá dentro? Não, os israelenses festejam dentro da Cidade Velha de Jerusalém a caminho do Muro das Lamentações. A Cidade Velha localiza-se na parte leste da cidade e abriga bairros de judeus, cristãos, muçulmanos e armênios. Lá dentro, circulam pessoas de todos os bairros em todos os cantos, portanto, dizer que os judeus passam especificamente pelo setor “muçulmano” da cidade, é no mínimo retratar os israelenses como uma população que quer humilhar muçulmanos de propósito.
O professor Yossi Mekelberg, historiador da Universidade Regents, dá o seu depoimento. Ele fala que as conquistas territoriais e a vitória de Israel em 1967 sobre tantos países e em tão pouco tempo, passa a sensação de que Israel é um império regional.
Mas Israel devolveu o Sinai para o Egito, devolveu um território maior que seu próprio país em troca da paz com o vizinho. Isso não é típico de um país imperialista e conquistador como tenta passar Mekelberg.
Boccanera continua batendo na tecla da expansão territorial:
Os milhares de árabes palestinos que vivem tanto em Jerusalém como em toda a Cisjordânia, ainda ocupada por Israel desde a guerra de 67, não só se recusam a reconhecer o domínio adversário estabelecido na Guerra dos Seis Dias, como protestam contra avanços constantes sobre terras árabes a fim de construir mais casas pra judeus…
Israel não constrói “sobre terras árabes”. A Cisjordânia foi conquistada em uma guerra defensiva da Jordânia, que invadiu o território ilegalmente em 1948, desafiando o Conselho de Segurança da ONU – e ainda expulsando (ou assassinando) todos os judeus que ali viviam. Aqui Boccanera faz um revisionismo histórico que contribui para uma falsa narrativa do conflito, o que favorece os palestinos. Cisjordânia sempre foi um território disputado cujas reivindicações concorrentes devem ser resolvidas nas negociações do processo de paz.
E então, o episódio que DEVERIA mostrar a situação dos dois lados – israelenses e palestinos – faz uma entrevista com a documentarista Julia Bacha que fala que os palestinos são completamente controlados por Israel:
– O dia-a-dia dos palestinos é afetado em todos os aspectos de vida, no momento em que um bebê nasce ele é registrado com a ocupação israelense, no momento em que você entra no sistema educacional você agora tem… você depende, se você vai pra escola, se Israel decidiu fechar as escolas, decidiu fazer um curfew do seu vilarejo – toque de recolher -, então ninguém mais pode sair de casa…
– É um bloqueio né… – comenta o entrevistador Jorge Pontual.
– É um bloqueio, então a sua vida é completamente limitada e controlada pelo fato de que um exército militar – um dos exércitos militares mais fortes do mundo atualmente – controlam o dia-a-dia.
Controlado em todos os aspectos de vida? Por que Bacha também não comenta que no passado, Israel ofereceu sua retirada de 97% da Cisjordânia, mas a liderança palestina recusou? E junto com o terrorismo incessante, o exército israelense é obrigado a realizar operações nos territórios; o toque de recolher é justamente um aviso prévio de que o exército entrará, para que as famílias palestinas não fiquem expostas. Segundo o Shabak, de setembro de 2015 a setembro de 2016, foram quase 2.000 ataques terroristas de palestinos contra israelenses apenas na Cisjordânia.
Bacha fala em bloqueio e controle como se a população ali não tivesse um governo, como se Israel ditasse tudo o que acontece dentro da Cisjordânia. A melhor maneira de melhorar a situação para os palestinos nos territórios é que a própria Autoridade Palestina acabe com a violência, reformule suas instituições e eleja novos líderes.
Mas ainda dá a sua versão dos assentamentos israelenses que segundo ela é como estar na Europa (!), e os compara com as áreas palestinas:
– Você tem assentamentos judeus dentro da Cisjordânia que são cidades praticamente, aonde a qualidade de vida é igual a de que se você morasse em Tel Aviv. então, todas as escolas, os hospitais, os shoppings… você tá na Europa se você tá num assentamento judeu. E você acessa Tel Aviv por rodovias expressas que palestinos não podem usar. São rodovias que só quem podem usar são israelenses. E os palestinos vivem nas beiradas desses assentamentos em vilarejos, rurais em grande parte, a não ser nos centros mais urbanos como Ramallah ou Nablus,e (nos) centros urbanos ou (nas) áreas mais rurais a qualidade de vida é baixa…
– A renda per capita é um décimo da renda per capita dos israelenses… – diz Pontual.
– Exatamente, agora você está falando de um país de 4o mundo, subdesenvolvido, com estradas muito precárias que não são mantidas…
Bacha fala em Europa para criar uma imagem elitista dos assentamentos israelenses para se contrapor à “miséria” dos palestinos. Não são os palestinos que recebem a maior ajuda internacional do mundo? Para onde vai todo o dinheiro que a Autoridade Palestina recebe? Por que o Hamas e a Autoridade Palestina não promovem o desenvolvimento nas suas cidades e “áreas rurais”? E por que há estradas israelenses bloqueadas para palestinos? Talvez porque no passado palestinos atiravam pedras nos carros israelenses viajantes chegando a causar mortes?
E por que a situação econômica na Cisjordânia é tão ruim? Quando Israel capturou a Cisjordânia em 1967, medidas foram tomadas para melhorar as condições de vida dos palestinos. Universidades foram abertas, inovações agrícolas introduzidas, postos de saúde foram modernizados. Dezenas de milhares de palestinos foram empregados em Israel, recebendo o mesmo salário dos israelenses, o que estimulou o crescimento econômico. Mas o aumento da violência palestina nos anos 90 e 2000 contra israelenses levou Israel a tomar medidas que prejudicaram a economia na Autoridade Palestina. Limitou-se o número de trabalhadores palestinos em Israel para reduzir o risco de entrada de terroristas, o que elevou o nível de desemprego, que, por sua vez, teve um efeito negativo sobre o resto da economia. A situação das cidades palestinas não é culpa do nível de vida dos assentamentos.
Sobre as projeções demográficas que preveem um crescimento da população palestina que pode vir a ultrapassar a população israelense, Mekelberg diz:
Em certo ponto, os palestinos vão dizer – e a demografia determina que estamos perto disso – que isso é um regime de apartheid. Eu não gosto de usar esse termo, mas é o que eles vão declarar. Você terá uma maioria de palestinos que não tem os mesmos direitos que a minoria…
Nao gosta de usar o termo, mas já usou não é? E eles não dirão que há um apartheid caso a população palestina exceda a israelense, eles já dizem isso hoje.
Dentro de Israel, os árabes são cidadãos com direitos iguais aos israelenses. Eles são representados no Knesset, servem nos escritórios, têm cargos de alto nível em ministérios e no Supremo Tribunal. Israel permite liberdade de movimento e de expressão, e alguns dos críticos mais severos do governo são árabes israelenses membros do Knesset. Agora, a situação dos palestinos nos territórios é diferente. Por causa da segurança, há restrições.
Depois, Bacha diz que no momento em que a Autoridade Palestina se desfaça, haverá uma possibilidade de que movimentos populares surjam na sociedade civil palestina, com “real legitimidade”, que consigam fazer um “movimento de pressão contra Israel pra que mudanças reais aconteçam”.
E por fim, ela coloca a total responsabilidade pela criação de um Estado palestino nas mãos de Israel:
Você diz (os palestinos) – a nossa luta é por direitos humanos, é por direitos civis, por igualdade, seja isso num Estado próprio nosso ou se você (Israel) não vai realmente nos dar um Estado próprio, então nós queremos essa igualdade dentro do seu Estado – Israel.
Israel é quem precisa “dar” um Estado palestino ou sofrer pressão para que mudanças aconteçam? Quantas propostas pela paz Israel já ofereceu e que foram recusadas pelas lideranças palestinas?
Quando um tenta defender o seu, a estratégia é sempre apontar o dedo para alguém e culpá-lo, ao invés de olhar para os próprios erros. Este é o grande problema da sociedade palestina e daqueles que procuram defendê-la, acusando e tentando prejudicar Israel ao passo que não fazem nada que cause mudanças positivas concretas para os palestinos.
Este episódio do programa Sem Fronteiras fez exatamente isso: quis apresentar a “situação” da região, questionar como ela pode ser melhorada, mas ao invés de balancear os problemas nos dois lados e passar informações que realmente ajudam o público a entender por que a questão é tão complexa, a edição do programa simplesmente apontou o dedo para Israel e o culpou pelas mazelas palestinas. Não mostrou o lado israelense que também é vítima, o terrorismo que já foi diário, por que Israel precisa ser militarizado e protegido, por que Israel desponta como exemplo no combate ao terrorismo no mundo atualmente perseguido pelo extremismo islâmico, por que Israel construiu um bunker a cada esquina… Será que todas as medidas de “repressão” das liberdades diárias de ir e vir são fruto de uma opressão gratuita? Onde está a responsabilidade da Autoridade Palestina nessa história?
Esperamos o dia em que um programa de TV vá dedicar 20 minutos a todas estas questões.